sexta-feira, 26 de junho de 2009

CRÔNICA – Paixão, vida e morte de um ídolo

Michael Jackson, cultura pop e negritude

Jóis Alberto

A morte de Michael Jackson, em 25/06/2009, na cidade de Los Angeles, Estados Unidos, pegou o mundo de surpresa. Vítima de uma parada cardíaca, Michael Jackson foi levado às pressas para o pronto socorro, e, apesar de todos os esforços dos médicos para reanimá-lo, entrou em coma, vindo a falecer poucos minutos depois. A surpresa foi maior porque ele, apesar de alguns problemas de saúde, não aparentava correr esse risco de fatalidade e vinha se preparando para uma grande turnê de shows pela Inglaterra, tendo como meta principal entrar numa nova fase de sua carreira profissional, abalada, como se sabe, por escândalos, processos e endividamentos.
As melhores lembranças que sempre guardei e vou guardar da biografia desse grande ídolo pop são as da época da adolescência, em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, na primeira metade dos anos 70. Me lembro, com ternura, da emoção de escutar “Ben”, na voz de Michael, quando este fazia parte do The Jackson 5 e, concomitantemente, iniciava carreira solo. Ouvia na rádio AM Mundial, do Rio, e nas festas, nos bailes juvenis do clube do bairro e da escola, que eu, ainda muito garotão, freqüentava. Sabia pouco inglês, um idioma que nunca foi meu forte, e junto com um amigo do bairro onde morava, traduzíamos algumas das letras de músicas cantadas em inglês – não só por americanos como os Jackson 5, mas também por clones brasileiros, como Morris Albert, com sua “Feelings”.
Vários vizinhos meus na Baixada Fluminense, em especial os da comunidade negra, gostavam do soul, principalmente de James Brown (“Get up”, “I feel like being a sex machine”, dentre outras gravações clássicas), usavam roupas e o cabelo no estilo do movimento Black Power, imitando o visual e o jeito de dançar desse outro ídolo da música negra americana. Curtiam ainda outros, como Stevie Wonder, que eu também admirava... No entanto, devido principalmente às minhas dificuldades em aprender o idioma inglês, eu gostava mais de ouvir o soul brasileiro de Cassiano, Hildon e de Tim Maia, que por essa época era adepto de um grupo religioso (em que todos usam roupas brancas) e morava na Baixada. No início dos anos 70, assistia também aos desenhos animados do Jackson 5, seriados americanos que marcaram época como o excelente Túnel do Tempo, e japoneses como Robô gigante, à tarde; além de reprises de desenhos como Speed Race, e outros seriados como o brasileiro Vigilante rodoviário, e o nipônico National Kid passavam pela manhã e assistia quando não estava na escola.
Em 1978, eu, que sou natalense e havia ido morar no Rio em 1970, voltei a residir em Natal, com a minha família, e aqui passei a ouvir mais o rock, principalmente o rock brasileiro, passando também, aos 18 anos, a curtir a vida noturna na Praia dos Artistas, ao lado de uma turma a respeito da qual ainda hoje eu guardo muito afeto: o poeta João Batista de Morais Neto, que à época usava o pseudônimo João da Rua; o artista plástico Novenil; Socorro (Help), cantando a sempre emocionante “Vapor Barato” (Jards Macalé/Waly Salomão), a enigmática “Araçá Azul” (de Caetano Veloso), a engajada “Pesadelo” (Maurício Tapajós/Paulo César Pinheiro), dentre outras belas canções da época, ao som do violão de Jorge Macedo; além de outros amigos. Aos 18 anos, eu era tímido e inexperiente, em meio a uma turma que, embora na mesma faixa etária, já era bem experimentada na vida noturna daquela parte da orla natalense, com seus botecos como o Pé do Gavião; a Tenda do Cigano, Praia do Meio; o Iara Bar, na praia de Areia Preta, dentre outros.
Como mestiço que sou, filho de pai mestiço e mãe branca, sempre me identifiquei com o movimento negro, embora não como militante. Inicialmente, curtindo a black music, que possibilitou o meu primeiro contato, as minhas primeiras reflexões sobre a questão racial. Ao mesmo tempo em que aos 16, 17 anos, ia aprimorando meu gosto musical, agora ouvindo a rádio carioca Roquette-Pinto que transmitia uma excelente programação musical (excelente pelo menos à época em que morei no Rio, não sei se continua com a mesma qualidade, porque desde 78 não retornei ao RJ), também passei a curtir o prazer da leitura, freqüentando biblioteca pública e comprando jornais da imprensa alternativa, de esquerda. Primeiro, o “Pasquim”, depois outros como os excelentes “Versus”, “Movimento”, “Opinião” em que eu ia me esclarecendo a respeito de raças, etnias e outras questões. Tanto que nessa época, em que eu começava na poesia, escrevi o poema “Raça”, dedicado a um dos grandes líderes do movimento negro brasileiro, Abdias Nascimento:

RAÇA

A Abdias do Nascimento

negra nega
nega a tua alma branca
nega a copa e cozinha
nega, a história do Brasil:
nega negaram
a raça de grandes homes negros
nega, não nega
o teu cabelo a tua raça.

Quanto à questão da negritude nos EUA e no mundo, Michael Jackson tomava atitudes polêmicas, como a de fazer operações plásticas no rosto para adquirir características físicas de branco, ao mesmo tempo em que fazia campanhas filantrópicas milionárias no show business de apoio às populações pobres da África, se encontrava com líderes negros históricos como Nelson Mandela... No Brasil, tornou-se marcante a passagem dele pelo país para gravar vídeoclips em favela carioca e ao lado de banda musical afro-brasileira, num dos videoclips mais conhecidos dele, que reconhecidamente foi um dos maiores inovadores dessa linguagem visual. Hoje, por trágica ironia da História, Michael Jackson morre no mesmo ano em que o primeiro presidente negro dos EUA, Barack Obama, inicia uma trajetória política pela qual milhões de pessoas torcem, e eu também, para que seja sempre democrática e repleta de êxitos até o final do mandato, embora não seja uma tarefa nada fácil, por causa da maldita herança política e econômica deixada pelos Bush.
Os primeiros grandes líderes negros dos EUA foram, nos anos 60, Martin Luther King, o ativista político Malcom X e o pugilista Cassius Clay, que ao se converter ao islamismo mudou seu nome para Muhammad Ali. Junto às lutas políticas por direitos civis, os negros americanos se destacavam não só nos esportes, mas também na música (é importantíssimo o papel da gravadora Motown e do produtor musical Quincy Jones), no cinema (atores como Sidney Poitier, Morgan Freeman, atrizes como Whoopi Goldberg, cineastas como Spike Lee, embora um dos melhores filmes com música negra americana não seja dele, mas de John Landis, a sempre divertida comédia musical “Os irmãos cara-de-pau”), na TV (notadamente a apresentadora Oprah Winfrey), na literatura (primeiramente James Baldwin e depois, na contemporaneidade, a poesia black de Amiri Baraka (ex-Leroi Jones), e da poetisa Wanda Coleman...). Isso sem entrar em maiores detalhes sobre o sucesso de gênios do jazz, como Louis Armstrong, Billie Holliday, Ella Fitzgerald, Charlie Parker, Miles Davis, John Coltrane, Ornette Coleman, Duke Ellington; do blues, como Robert Johnson, Bessie Smith, John Lee Hooker, Ray Charles, Muddy Waters, B.B. King; e do rock, como Jimi Hendrix, que está no mesmo panteão de gigantes da música pop de língua inglesa, como os Beatles, Janis Joplin, Jim Morrison; do reggae, com Bob Marley. Aos quais, sem dúvidas, vem se juntar Michael Jackson, a quem, independente de qualquer questão, presto este meu tributo, em especial pelos bons momentos dele dos anos 60 a 80.
Axé, Michael Jackson!