quarta-feira, 3 de junho de 2009

DOIS POEMAS DE BERTOLT BRECHT

As Boas Ações

Esmagar sempre o próximo
não acaba por cansar?
Invejar provoca um esforço
que incha as veias da fronte.
A mão que se estende naturalmente
dá e recebe com a mesma facilidade.
Mas a mão que agarra com avidez
rapidamente endurece.
Ah! que delicioso é dar! Ser generoso
que bela tentação!
Uma boa palavra brota suavemente
como um suspiro de felicidade!

Aos que virão depois de nós

I
Eu vivo em tempos sombrios.
Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez,
uma testa sem rugas é sinal de indiferença.
Aquele que ainda ri é porque ainda não recebeu a terrível notícia.

Que tempos são esses, quando
falar sobre flores é quase um crime. Pois significa silenciar sobre tanta injustiça?
Aquele que cruza tranqüilamente a rua
já está então inacessível aos amigos
que se encontram necessitados?
É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.
Mas acreditem: é por acaso. Nada do que eu faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Por acaso estou sendo poupado.
(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)

Dizem-me: come e bebe! Fica feliz por teres o que tens!
Mas como é que posso comer e beber,
se a comida que eu como, eu tiro de quem tem fome?
se o copo de água que eu bebo, faz falta a quem tem sede?

Mas apesar disso, eu continuo comendo e bebendo.
Eu queria ser um sábio.
Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria:
Manter-se afastado dos problemas do mundo
e sem medo passar o tempo que se tem para viver na terra;
Seguir seu caminho sem violência,
pagar o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, mas esquecê-los.
Sabedoria é isso!
Mas eu não consigo agir assim.
É verdade, eu vivo em tempos sombrios!

II
Eu vim para a cidade no tempo da desordem,
quando a fome reinava.
Eu vim para o convívio dos homens no tempo da revolta
e me revoltei ao lado deles.
Assim se passou o tempo
que me foi dado viver sobre a terra.
Eu comi o meu pão no meio das batalhas,
deitei-me entre os assassinos para dormir,
Fiz amor sem muita atenção
e não tive paciência com a natureza.
Assim se passou o tempo
que me foi dado viver sobre a terra.

III
Vocês, que vão emergir das ondas
em que nós perecemos,
pensem,
quando falarem das nossas fraquezas,
nos tempos sombrios
de que vocês tiveram a sorte de escapar.
Nós existíamos através da luta de classes,
mudando mais seguidamente de países que de sapatos,
desesperados!
quando só havia injustiça e não havia revolta.

Nós sabemos:
o ódio contra a baixeza
também endurece os rostos!
A cólera contra a injustiça
faz a voz ficar rouca!
Infelizmente, nós,
que queríamos preparar o caminho para a amizade,
não pudemos ser, nós mesmos, bons amigos.
Mas vocês, quando chegar o tempo
em que o homem seja amigo do homem,
pensem em nós
com um pouco de compreensão.

Poeta inadaptado





A AMANTE DE BAUDELAIRE

Jóis Alberto Revorêdo

A melhor poesia é viver com arte e amor.
Às vezes, todavia, me ocorre um complexo de inferior:
Poderia – quem sabe? - amar mulheres mais propícias
À minha sensibilidade, caráter e cultura.

Mas muito me apraz e delicia
A companhia daquelas que, sem maiores leituras,
Têm por nobres encantos
O bom humor, a dedicação e a ternura.

Raras são as mulheres bem sucedidas e intelectuais
Que um poeta inadaptado, como eu, pode suportar.
Charles Baudelaire, por exemplo, amou uma mulata
Beberrona e analfabeta

Que mesmo assim o desprezava
Porque, embora ele fosse grande poeta,
Não sabia ser prático, nem ganhar dinheiro,
Nos informa o cáustico Eduardo Frieiro.

Assim como essa amante de Baudelaire
Procedem em Natal laureadas e provincianas
Poetisas e sabichonas, leitores de Caras e Marie Claire
Que avarentas, perdulárias ou arrivistas
Julgam todos – aurea mediocritas –
Pelo critério de muito possuir dinheiro e fama.

FONTE: Poema publicado no livro “Poetas azuis paixões vermelhas amores amarelos” (Poesia e prosa), de Jóis Alberto Revorêdo (Natal: Sebo Vermelho, 2003)

LITERATURA DO RIO GRANDE DO NORTE/Poesia

Caminhos da poesia potiguar contemporânea


Jóis Alberto

É grande a quantidade de poetas na cidade, porém ao contrário do que sugere a antiga quadrinha “Rio Grande do Norte/Capital Natal/Em cada esquina um poeta/Em cada rua um jornal” – dando a entender que há mais quantidade do que qualidade – pode-se afirmar com segurança que é de alto nível a maior parte da produção poética natalense contemporânea. Nos últimos anos, foram editados importantes ensaios, como Informação da literatura potiguar, de Tarcísio Gurgel (Natal: Editora Argos, 2001) e Literatura do Rio Grande do Norte, de Constância Lima Duarte e Diva Cunha Pereira (Natal: Governo do RN/FJA, 2001), que fazem um mapeamento da produção literária do Estado, com ênfase para o que já se tornou consagrado, canônico, em nível local. A produção poética de Zila Mamede, por exemplo, da qual ninguém duvida que resistirá ao tempo. Os dois volumes não se aprofundam, entretanto, na análise da produção artística de vanguarda, em especial o Poema Processo, que foi objeto de estudo do livro Da poesia ao poema (Natal: Nação Potiguar, 2004) de Dácio Galvão, a partir da dissertação de mestrado defendida pelo autor na Pós Graduação do Departamento de Letras da UFRN.
Já os poetas natalenses surgidos nos anos 70 e 80, e que deram prosseguimento às experiências com a poesia visual e a arte-correio, além de introduzirem novas – à época – formas do fazer poético, como as edições mimeografadas e performances, no rastro da herança da Semana de 22; do Concretismo – surgido em 1952, com a revista Noigandres -; do Poema Processo, deflagrado em 1967; e da Poesia Marginal, dos anos 70, comparecem em Geração alternativa (Natal: Amarela Edições, 1997), antologia organizada por J. Medeiros, com a cronologia a cargo de Anchieta Fernandes, autor este responsável pelo imprescindível Por uma vanguarda nordestina (Natal: FJA, 1976) um dos textos precursores do estudo do movimento Poema Processo no Rio Grande do Norte. Dos anos 90 para cá, surgiram novos poetas, muitos dos quais ainda não tiveram seus trabalhos devidamente analisados pela crítica acadêmica – que é a que tem publicado livros sobre o tema no mercado editorial local, já que a crítica literária de jornais praticamente inexiste em Natal, como de resto em quase todo o Brasil, predominando as resenhas. No balanço da produção poética contemporânea, tanto em nível local, como internacional, podemos delinear pelo menos duas grandes vertentes: uma poesia mais “hermética”, e outra mais acessível ao leitor.
Altamente metafórica, a poesia hermética tem nomes como os franceses Stéphane Mallarmé e o seu discípulo Paul Valery – que atribui ao intelecto a tarefa de elaborar uma poesia purificada de todo sentimentalismo –; o americano Ezra Pound, o italiano Eugênio Montale, os brasileiros Sousândrade, Murilo Mendes, Jorge de Lima, os irmãos Campos, considerados poetas para poetas, tal o grau de mestria, dificuldade e invenção da produção desses autores para a recepção do leitor comum. Já a poesia mais acessível, que não implica obrigatoriamente seja fácil de ser compreendida, é geralmente aquela que não rompe radicalmente com a poesia feita anteriormente. Aqui, cabe uma questão: será que os poetas concordam com esse tipo de divisão da produção poética? Antes de respondê-la, vejamos primeiro o que é poesia. No clássico O arco e a lira (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982), o ensaísta e poeta mexicano Octávio Paz enumera, dentre outras conceituações, que poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. E mais: revela este mundo, cria outro. Pão dos eleitos, alimento maldito. Isola; une. Arte de falar em forma superior; linguagem primitiva. Obediência às regras, criação de outras...
Se a exemplo do que ocorre com a questão o que é arte – “o enigma que a arte em si mesma é”, conforme a interpretação fenomenológica e analítica existencial do filósofo alemão Martin Heidegger – não se pode definir poesia, pode-se todavia refletir sobre o fazer poético. Nesse sentido, aproveitando o momento da comemoração local do Dia Nacional da Poesia, a reportagem de BROUHAHA entrevistou seis poetas – Napoleão de Paiva Sousa, João Batista de Morais Neto, Venâncio Pinheiro, Carmen Vasconcelos, Pablo Capistrano e Jânia de Souza – acerca da poesia norte-rio-grandense contemporânea.

CONFRATERNIZAÇÃO E PRÊMIOS

Se o sol, a lua, as estrelas, o amor, o mar, o dia, a noite, enfim a natureza, os seres, os sentimentos, as coisas, são fontes permanentes da criação poética e estão aí a todo momento, então diariamente é dia de poesia. Mas tem uma data especial, 14 de março, em que os poetas natalenses se reúnem para comemorar o Dia Nacional da Poesia, mantendo uma tradição iniciada nos anos 70 por poetas de vanguarda de Natal, João Pessoa e Recife. (...)
Poeta e médico pediatra, Napoleão de Paiva Sousa figura, ao lado de Alex Nascimento e Adriano de Souza, como um dos melhores poetas potiguares contemporâneos, que tiveram influências da contracultura, do jazz, do existencialismo, da luta contra a ditadura militar, o que ocorre em Alex, colaborador de O Pasquim, e da poesia marginal da melhor qualidade – a de Cacaso e Francisco Alvim, por exemplo – como acontece em Adriano. São poetas que aprenderam algumas das melhores lições dos mestres que vieram depois de 1922, como João Cabral de Melo Neto, cuja poesia caracteriza-se pelo rigor da construção, pelo intelectualismo, pelas imagens predominantemente visuais; e de um grande poeta redescoberto nos anos 80, Manoel de Barros. (...)
O poeta João Batista de Moraes Neto foi um dos pioneiros da chamada geração mimeógrafo, ou geração alternativa em Natal. (...) Atualmente professor do Cefet/RN, João Batista (ver Blog de Bordo) é mestre em Teoria Literária pela UFBA e doutor em Literatura Comparada pela Pós Graduação em Letras da UFRN. (...) Os poetas sabem que as regras da poesia são meramente convencionais e procuram novas maneiras de alargarem as potencialidades da linguagem, o que ocorre desde a antiguidade, muitas vezes – quando isso implica em novas atitudes artísticas – à custa da marginalização do poeta. No livro Geração Alternativa ou um alô para Helô (Natal:Sebo Vermelho/Capitania das Artes, 2005), João Batista cita Catulo, o latino, e o seu grupo denominado poetae noui (“poetas modernos”) como poetas que estavam à margem da literatura que se fazia na época deles. Ezra Pound coloca Catulo como um dos modelos para quem quer aprender a ler e escrever poesia. (...)
Venâncio Pinheiro é outro experiente poeta da chamada geração alternativa natalense, tendo poemas editados em livros e em poesia visual. Antenado com os recursos da internet, tem trabalhos nos portais Homones.com, identidad global.com, dhnet.org e mantém o blog venanciopinheiro.zip.net. Foi sob o signo dos Novos Baianos e Che Guevara, que o grupo Aluá Edições Alternativa, do qual Venâncio era um dos líderes, fez um importante trabalho cultural e político a partir do final dos anos 70. Por lá, passaram nomes talentosos como Ciro Pedroza, Dorian Lima, Aluízio Mathias, Alex Medeiros, Marize Castro – para quem Venâncio criou a programação visual do livro Marrons crepons marfins. O Aluá fez contatos com grupos de poetas de outras cidades, como o Jaguaribe Carne – de João Pessoa e formado por Pedro Osmar, Chico César, Paulo Ro – e o Nuvem Cigana, do poeta carioca Chacal. (...) Venâncio fez parte da organização do 1º Festival de Artes de Natal, em 1978; foi presidente da Cooperativa de Artistas de Natal nos anos 80, década em que, dentre outras atividades culturais, atuou no grupo teatral Nuvem Verde, encenando peças de Brecht. Nos últimos anos, ele teve uma maior atuação na área política-partidária. Filiado ao PT há muitos anos, eleitor de Lula – para quem, na época em que o então sindicalista era presidente nacional do PT – chegou a criar com exclusividade uma de suas criativas camisetas poéticas/políticas, Venâncio tem um importante trabalho como designer gráfico, no qual se destaca por exemplo a criação da logomarca do Movimento Nacional de Direitos Humanos. (...)
Carmen Vasconcelos é citada, ao lado de Marize Castro e Iracema Macedo, como uma das poetisas mais talentosas da literatura potiguar contemporânea. Servidora pública do TRT/RN, formada em Serviço Social e Direito pela UFRN, autora de Chuva ácida (Natal: FJA, 2000) e Destempo (Natal: FJA, 2002), Carmen tem um trabalho poético que dialoga, por exemplo, com o de Eugênio Montale, “o maior dos poetas herméticos italianos”, segundo Otto Maria Carpeaux, em História da Literatura Ocidental (Rio de Janeiro: Alhambra, 1984); e Cecília Meirelles, ligada a uma corrente mais espiritualista. Carmen faz parte da elogiada antologia Pois é a poesia, de Luis Carlos Guimarães (Natal: Fundação José Augusto, 2002), com seleção e organização de Ricardo Luís Guimarães. Sobre o trabalho de Carmen, disse Luís Carlos Guimarães, que a poesia dela é forte, surpreendente, instigante, que “ distingue-se por um estilo extremamente pessoal. Embora trate, quase sempre, das urgências do coração, descarta sentimentalismo fáceis”. (...)
Alguns filósofos, como por exemplo Martin Heidegger, estudam poetas e a poesia como dado fecundo para a reflexão filosófica. É à poesia que se atribui, por excelência, um alcance gnosiológico. Poeta, autor de Domingos do mundo (Natal: Boágua, 1998) e do livro de ensaios e poemas Descoordenadas cartesianas (Natal: Sebo Vermelho, 2001), filósofo e professor universitário, Pablo Capistrano participou do Sótão 277, entre 1991 e 95, grupo que trabalhava com a estética de fanzine, recitais poéticos e instalações na área de artes plásticas. (...) Pablo Capistrano é um dos mais talentos escritores de Natal da nova geração.

SOCIEDADE DOS POETAS

Desde 12 de junho 1997, num sugestivo Dia dos Namorados, quando foi fundada a Sociedade dos Poetas Vivos e Afins – SPVA, um grupo de poetas de Natal se reúne semanalmente para recitais poéticos, geralmente no sábado à tarde, no auditório da Capitania das Artes. Já passaram pela entidade vários poetas, desde os mais experientes como Paulo Augusto, Pedro Jacob (cordelista), José Gonçalves, Mery Medeiros, Maura Rosângela, Josean Rodrigues, Carlos Magno, que estão entre os fundadores, até os iniciantes nas artes poéticas. Os poetas da SPVA estão entre os mais atuantes nos eventos que compõem a programação comemorativa do Dia Nacional da Poesia, no dia 14 de março. A entidade já editou antologias literárias, num trabalho organizado e coordenado pela poetisa e bancária Jânia de Souza. Um dos volumes mais recentes, a Antologia Literária SPVA/RN, tem 119 páginas, com produção gráfica das Edições Bagaço/PE, tiragem de 1.000 exemplares e participação de 45 poetas.

FONTE: Trechos de matéria de autoria do jornalista Jóis Alberto, publicada na revista Brouhaha n 3 de janeiro/março de 2006, editada pela Fundação Capitania das Artes, órgão da Prefeitura de Natal.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Um poema de Apollinaire

GUILLAUME APOLLINAIRE
1880-1918

A PONTE MIRABEAU
(Le pont Mirabeau)

Pela ponte Mirabeau se escoa o Sena
E esses amores
Forçoso é que eu os lembre
Vinha a alegria após a mágoa sempre

A hora soa o dia finda
Os dias vão-se eu estou ainda

De mãos dadas fiquemos face a face
Enquanto sob
Os nossos braços passa
Dos eternos olhares a água tão lassa

A hora soa o dia finda
Os dias vão-se eu estou ainda

Vai-se o amor como esta água corrente
Vai-se o amor
Como esta vida é lenta
E como a Esperança é violenta